sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O MEU IGARAPÉ DE MANAUS


Ao passar pela ponte da minha infância, a Ponte Romana I, na Avenida Sete de Setembro, lembrei daquela famosa música do Chico da Silva “sonho de criança é crescer, ganhar o mundo, depois dormir, num sono mais profundo...”, num passe de mágica, viajei ao passado, lembrei dos meus vizinhos do Igarapé de Manaus: Mal Feito a Martelo, Helio, Soraya, Solon, Artur, Artuzinho, Judico, Zé Roberto, Sabá, Diva, Norberto, Zé Carlos, Neuza, Adena, Oscar, Diquinha, Márcia, Rosa, Pátria, Neno, Wanda, Nego Sarto, Zé Inácio, Hilário, Rubinho, Gadelha, Rogério, Goiaba, Wangler, Sargento, Totonho, Aluisio, Tico, Beto, Nego, João Bringel, Pingo, Gurgel, Dural, Triunfo, Norma, e, mais uma duas dezenas de outros que não me recordo dos nomes, mas as fisionomias ficaram marcadas para sempre.

Senti saudade dos pulos da ponte, dos banhos de rio - os meus pais não permitiam, mas, eu e os meus irmãos colocávamos os nossos calções num arbusto qualquer e, tomávamos banho pelado, certa vez, um engraçadinho levou o meu calção, deixei anoitecer e corri pelo meio da rua, peladinho da silva, passei o maior vexame, foi gozação total, dei o troco, fiz a mesma coisa com outro moleque.

Acordávamos às cinco da manhã, deixávamos a Leiteira na porta da nossa casa e, corríamos para pegar manga Rosa, no terreno do Hospital da Beneficente Portuguesa, certa vez, ao voltar, encontramos um gato lambendo parte do leite derramado, aquilo seria um motivo para uma boa peia, a solução foi colocar água para completar o litro de leite, apesar de ficar fraco e com pelos do felídeo, durante o café, com exceção da mamãe e do papai, ninguém quis saber do leite, tomamos o café puro, os velhos desconfiaram, não teve jeito, a peia comeu no centro.

As brigas de rua eram “normais”, existiam muitas rixas com o pessoal da Rua Ipixuna e Major Gabriel - usávamos somente os braços e as pernas, nada de arma de fogo ou branca, cada um ficava no seu quadrado, entrar no território do inimigo, nem pensar, quem ousasse, apanharia na certa, certa vez, fomos convidado para jogar no Campo do Bodozal, pertencia ao pessoal da Rua Major Gabriel, foi uma cilada, apanhei sem pena e nem dó, marquei um por um, o tempo passou, mas quem apanha não esquece, dei o troco na maioria dos meus agressores.

Existiam dois Circos na rua, um pertencia ao Sarto, conhecido por Nego Mau - apesar de ser circo de brincadeira, era tudo bem organizado, tinha bilheteria, arquibancada, trapézios e palhaços – eu e os meus irmãos fomos “contratados” para fazer acrobacias, ficamos conhecidos como “Os Irmãos Borracha”, acabou a temporada e o patrão não pagou o nosso cachê, depois de trinta anos, fizemos o Nego Mau pagar um jantar e uma grade de cervejas para o Neno, Rocha, Zezinho e o Henrique.

O outro circo pertencia ao Aluízio -  fui “trabalhar” para ele, certa vez, estava no trapézio de cabeça para baixo, o Nego Mau pegou uma baladeira e, com uma bolinha, acertou bem no meu “ovo esquerdo”, cai de cabeça no chão, acho que com o baque na cachola fiquei tantã até hoje.

A nossa criação foi muito rígida, mas, moleque não tem jeito, sempre que os velhos davam bobeira eu fugia para brincar na rua, gostava de nadar, jogar bola, curtir as brincadeiras de papagaio de papel, jogar pião e gangapé, subir em mangueiras, pular da ponte, morcegar a carroça do Sêo Hilário, dentre outras - pelas as minhas peraltices, acho que pegava uma peia todo dia, pior que além dos meus pais tinha também a vovó paterna, uma cearense braba, qualquer coisa errada era motivo para pegar uns bolos na mão.

Acordei, voltei para o século XXI, tudo acabou, restaram poucos vizinhos que teimaram em ficar no lugar, o nosso Igarapé de Manaus foi aterrado, todas as casas da sua margem foram retiradas, transformaram o local num centro de convivência para os jovens, com bastantes quadras de futebol de salão, ciclovias e praças de alimentação.

Depois, resolvi fazer uma caminhada pelo entorno do Parque Desembargador Paulo Jacob, uma justa homenagem a um antigo morador da Rua Major Gabriel – tristeza, muita tristeza, pois o local está abandonado, com muito mato e lixos por toda parte – dizem que a Prefeitura de Manaus não aceitou tomar conta do parque, em decorrência de não ter sido o “pai da criança”.

Encontrei com o meu amigo Aluízio  ele ainda mora na mesma casa onde nasceu há sessenta e seis anos atrás, inclusive, fui convidado para o seu aniversário no próximo dia 13 do mês corrente mês – estarei lá para rever os amigos.

Apesar de toda a descaracterização do local, continua sendo o lugar mais querido da minha infância, o meu Igarapé de Manaus! É isso.

Fotos: 1.J Martins Rocha/2. Desconhecido/3.Chico Batata

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