segunda-feira, 9 de abril de 2012

LIVRO: O ZÉ MUNDÃO DE MANAUS AUTOR: J. MARTINS ROCHA


 I PARTE

O Zé Mundão nasceu na Santa Casa de Misericórdia, na década de cinquenta, quando veio ao mundo, estavam batendo as doze badaladas dos sinos da Igreja de Sebastião, exatamente no dia do aniversário do Presidente Juscelino Kubitschek; os seus familiares ensaiaram em chamá-lo pelo prenome do mandatário maior da nação, mas, ao ser batizado na Igreja dos Remédios, recebeu na pia batismal o nome de José, em homenagem ao seu avô, um cearense que veio para a Amazônia coletar o látex. O seu primeiro lar foi um “flutuante”, uma casa de madeira apoiada por duas enormes toras, própria para flutuar na enchente do Rio Negro, no Igarapé de Manaus.

O local onde morava o Zé era conhecido como “Cidade Flutuante”, que teve início em decorrência do declínio do fausto da borracha e, com a falência dos seringalistas, levou uma multidão de seringueiros a ficarem sem eira nem beira, não tinha onde morar, a solução foi iniciar a construção de suas casas sobre as águas do Rio Negro e pelos igarapés de Manaus.

As residências eram construídas sobre troncos de árvores, tornando-as flutuantes, com os assoalhos e todos os cômodos de madeira, sendo a cobertura de palhas e zinco, formavam um imenso conglomerado de casas, era tão grande que chegou a ser uma “cidade” dentro da cidade de Manaus, com mais de 2.000 casas e aproximadamente 12.000 habitantes.

Neste local, existia além de moradias, todo tipo de comércio: lojas de secos e molhados, ferragens em geral, tabernas, restaurantes, protéticos e dentistas, consultórios médicos, drogarias, oficinas mecânicas de consertos de motores de centro e popa, vendas de borrachas, castanhas, jutas, couros e peles de animais silvestres; qualquer atividade que tinha em terra, também tinha na cidade flutuante! Era realmente, uma cidade dentro da cidade de Manaus. As pessoas mais abastadas achavam que aquilo era um cancro, uma vergonha para os habitantes de terra firme, mas, foi exatamente onde o pequeno José passou a sua infância, por sinal, muito feliz.

Por ser um filho e neto de uma família de cearenses de Uruburetama, para não fugir a exceção, passaram-no a chamá-lo de Zé, um diminuitivo carinhoso de José, era o mais novo da prole, o caçula querido da família; os seus irmãos mais velhos eram conhecidos como Zé Galinha, Zé Pacú e, a única mulher, foi batizada de Maria José, tinha que ter José no meio de qualquer maneira.

Não foi muito chegado ao leite materno, desde novinho foi criado à base de “Mingau de Banana Verde”, “Araruta” e “Cremo Gema”, depois, a sua dieta passou a ser direto o peixe; por ser um pobre ribeirinho, não tinha acesso aos produtos industrializados, tudo era natural, fez também a “dieta da sopa”, ou seja, deu sopa ele comia, não fazia cerimônia, comia feito uma draga.

Pegou aquelas doenças comuns da sua época, como a Papeira, Catapora e Sarampo, criou bastante lombriga no bucho, pegou muita Frieira e Mijacão; as suas doenças eram curadas a base de Mamona, Jalapa Pião, Copaíba, Andiroba, Chá de limão com Melhoral, Xarope Caseiro e, pegou muita surra para tomar Magnésia.

Por morar num flutuante, dentro d’água, por questão de segurança, os seus pais o ensinaram a nadar ainda bem novinho; na sua residência não tinha água encanada e nem luz; bebia água de Pote e tomava banho no igarapé e nas cacimbas das redondezas; a casa era iluminada com Lamparinas e Candeeiros; o café era torrado e pilado em casa; a comida era feita num Fogão a Lenha; as roupas eram passadas em Ferro de Engomar a Carvão; tinha em sua casa poucos móveis, somente uma mesa de jantar com alguns tamboretes, um guarda-roupa simples e uma cristaleira - apesar de todas as dificuldades materiais, era um caboquinho feliz, cresceu forte e sadio e, começou a aprontar desde cedo.

Os seus brinquedos eram feitos manualmente por seu pai, um exímio marceneiro, curtiu todas as brincadeiras que as criançadas de Manaus gostavam naquele tempo: Papagaio de Papel, Pião, Caroço de Tucumã, Bolinha de Gude, Cangapé, Boi de Pano, Macaca, Manja, Cemitério e Barbandeira.

Certa vez, ganhou de presente da sua madrinha um Globo Terrestre de plástico, passava horas e horas girando a esfera, parava e, ficava apontando com o dedo indicador: - Quando eu crescer irei viajar muito e, conhecer a França, a Itália, o Japão, o Portugal, a Alemanha, alguns países da América do Sul e os Estados Unidos, aliás, quero conhecer o mundo todo! – falava de uma forma determinada. Foi um passo para os seus colegas de rua o apelidar de “Zé Mundão”.

Quando ficou mais taludinho, recebeu a missão de esperar o “Padeiro” e o “Leiteiro” na rua; num belo dia, deixou o pão e o leite escondidos e foi pegar “Mangas” e “Biribas” num terreno de um enigmático senhor, conhecido por Dural. Quando retornou, alguém tinha comido o “bico do pão” e um gato havia derrubado a leiteira e, estava lambendo o leite; a bronca ia ser alta pro Zé, mas, ele era um cara esperto: - Vou completar o litro de leite com água, não quero nem provar, pois está cheio de pelos do gato, vou ver se o papai engole essa! – pensando rápido numa saída. Dito e feito, o Zé tomou o “café puro” e ainda teve que explicar que foi ele quem comeu o “bico do pão”, depois de algum tempo, falou do ocorrido para o seu irmão mais velho, o Zé Galinha, foi dedurado, pegou uma surra daquelas e ainda ficou um mês de castigo!

O Zé tinha uma vizinha que falava o tempo todo palavrões, aprendeu rapidinho todo o vocabulário, pegou muito “tapa na boca” para perder aquele costume feio, mas, o famoso “sinal com o dedo” ele não deixou de mostrar para as pessoas que o acomodava: - Tá qui prá ti, sêo leso! – gesticulando e gritando.

Estudava no Barão do Rio Branco, a sua avó o matriculou no primeiro ano forte, mas o Zé não sabia ler nem escrever, a primeira tarefa na escola era fazer uma cópia, na malandragem, pediu ao seu colega "Nascimento", para fazer a cópia, o seu confrade era canhoto, pegou o caderno do Zé Mundão, virou na melhor posição e fez a cópia todinha.

O Zé foi entregar o trabalho: - Fessora Genevova, tai a cópia, tá bonita? – falou todo gabola da vida. - Vá fazer outra cópia, você fez com o caderno de cabeça para baixo! – dando-lhe aquele ralho. Não se conteve, chorou que nem um bezerro desmamado, a professora descobriu  que ele estava na série errada e o encaminhou para a “Alfa”; cobrir as letras foi uma graça para Zé Mundão.

O que ele mais odiava era o “hora da merenda”, não trazia nada de casa e tinha que encarar aquele “leite de soja” que era enviado ao Brasil em decorrência do projeto “União para o Progresso” dos ianques; o jeito era filar a merenda dos meninos do pré-escolar, num certo dia, foi pego e levado pela “orelha” até à Diretoria, os seus pais foram chamados à atenção.

Na sua defesa, falou que fazia aquilo em decorrência de não trazer nada para lanchar e que tinha dor de barriga toda vez que tomava aquele leite ruim. Moral da história: ganhou uma “Lancheira” novinha em folha, com direito a suco de “Maracujá” e Sanduíche de “Pão com Pão”, a partir dai, começou a adorar a hora de merenda, gostava de deixar os seus colegas com água na boca e, nunca mais tomou o famoso "leite de posto"!

Tempo depois, saiu do “flutuante” e vou morar com a família numa “casa de madeira” em terra firme, fora proibido de tomar banho no igarapé, mas, não tinha jeito, tirava o calção, colocava num arbusto qualquer e pulava pelado dentro d’água, pois não era hábito usar cuecas naquela época. Num final de semana, o seu “amigo da onça” o famoso “Nego Mau”, escondeu a roupa do Zé Mundão, o coitado passou a tarde toda dentro do rio, deixou a noite chegar e, correu pelado pela rua até chegar à sua casa, todos os moradores achavam graça daquela cena inusitada, ainda foi gozado por bastante tempo, mas o cara sabe muito bem dar o troco: - Vou dá um tempo no tempo, pegarei o escroto do “Nego Mau” e todos os amigos deles que ficaram me gozando! – prometendo uma desforra.

Num belo sábado à tarde, estava o “Nego Mau” e toda a sua galera tomando banho pelado no rio, como de costume, eles também não usavam cuecas; o Zé foi bem de mansinho e, pegou os calções de todos eles, quando estava bem distante, gritou: - Ei, ei, Negou Mau, olha aqui, estou com o teu calção e da tua galera, quero ver todo mundo pelado, sai da água se tu é macho, sai! Foi um Deus nos acuda, prometeram uma bela sova no Zé, mas, ele não estava nem ai!

À noite, toda a molecada da rua estava à beira do rio, esperando a galera do Nego Mau sair da água, não deu outra, todo mundo correndo pelado pela rua em direção as suas casas, foi uma gozação total. O Zé ficou uma semana sem sair da sua casa, somente ia à escola, escoltado pelos seus pais, mas, um dia pegaram o Zé Mundão sozinho, deram a prometida surra nele e ainda tiraram o seu calção, teve que correr novamente pelado pela rua até chegar a sua casa! Haja gozação! Mais uma semana hibernando em sua casa, estava cansado de servir de chacota.

Teve uma criação bastante rígida, mas, não tomava jeito, aprontava muito, ficava na maioria das vezes de castigo, fugindo sempre para brincar na rua. Na enchente do Rio Negro, gostava de pular dentro do rio do alto das pontes, as preferidas eram a Ponte Romana I e II, na Avenida Sete de Setembro – a única que ele respeitava era a Ponte de Ferro, por ser bastante alta. Escalava os muros dos vizinhos para pegar Mangas, Pitombas e Biribas, além de morcegar carroças e caminhões que passavam pela sua rua.
Observação: O Zé Mundão de Manaus é um personagem criado por mim, fiz algumas postagens sobre ele e, aproveitei para converter em livro (muita audácia da minha parte). Na realidade, conta parte da minha parte da minha vida, dos meus colegas e, da minha amada Manaus. É uma mistura de realidade com ficção e, muito humor. Publiquei apenas o resumo do resumo da parte inicial do livro que pretendo lançar ainda em 2012. O texto acima, ainda carece de pesquisas e revisão. Aceito criticas e colaborações. Devo ou continuar escrevendo? Abraços. Rocha