quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MANACÁ PURU, A FLOR MATIZADA DO SOLIMÕES.



Manacapuru é uma cidade do interior do Amazonas, teve o seu nome originado de uma belíssima flor - Manacá = flor e puru = matizada – chegou ao seu apogeu no auge da industrialização da fibra da Juta, tanto que era uma linda cidade, assim como foi a minha Manaus antiga, chegou a ser conhecida como a “Princesinha do Solimões”. Tenho uma relação toda especial com ela, pois viajei centenas de vezes para lá na minha juventude, passei poucas e boas nas minhas andanças, irei compartilhar um pouquinho com vocês, vamos nessa macacada.

As viagens

Durante uns cinco anos eu viajei todos os finais de semana para lá, sem exceção, podia fazer sol ou chuva, na enchente ou vazante, estando barão ou liso, de ônibus, carro ou de carona -, de asa dura, nem pensar - não importava ou meio ou a situação, sempre atravessava o Rio Negro, de Barco, Rabeta, Canoa ou Balsa, nunca fui a nado, pois era impossível. O que me motivava a ir pra lá? Simplesmente, gostava da cidade, dos clubes, da natureza, das pessoas, principalmente, da mulherada, é claro!

Viajava no sábado de manhã, almoçava na cidade, curtia à tarde, à noite e a manhã de domingo, existia somente um ônibus que saía no início da tarde – quando perdia o buzão, o jeito era voltar de Barco regional, com saída à meia noite, dormia em cima de cachos de bananas, sacos de farinhas, caixas de verduras e frutas - ou de qualquer outra coisa que desse para encostar a cabeça, não me importava nem um pouco; parava no Porto da Ceasa, pegava o primeiro ônibus da madrugada, chegava às cinco da manhã de segunda-feira, pegava no tranco às oito da manhã, sempre disposto para trabalhar a semana toda, no sábado começava tudo de novo. Ufa! Que gás eu tinha naqueles tempos bons de jovem.

O batizado

Dormi muito na Praça da Igreja, perdi as contas, certa vez amanheci dentro de um fusquinha, fui acordado por uma cabocla com um filhinho no colo, abri o vidro, ainda estava sonolento e dando aquele bafo de onça, ela me falou que era uma mãe solteira, da vida, porém, queria tornar o seu filho um cristão, pediu para eu ir até a Secretaria da Igreja e falar para o padre que eu era o pai da criança, pois somente assim ela poderia batizar o seu filho, ela chorava, o menino também, apesar da minha negativa, ela insistia.

O meu coração é mole, sem contar as consequências, aceitei fazer a encenação – cheguei à igreja, despenteado, a roupa toda suja da farra do dia anterior, os olhos de ressaca, dando aquela dose de mil no padre, ele me ouviu pacientemente, mas não entrou no meu papo fajuto; com a negativa do padre, a mulher começou a chorar, o menino também, fiquei todo desconcertado, ainda tive que pegar uns quinze minutos de sermão do padre, para completar, para a remissão dos meus pecados, o padre me mandou rezar uns cem “Pais Nossos” e umas duzentas “Aves Marias”.

Apesar de tudo, o padre entendeu a minha intenção, pois eu queria somente ajudar - já pensou no buraco em que eu iria me meter, poderia começar a pagar pensão alimentícia ainda muito novo, fui muito inocente. Mas, valeu, ele aceitou batizar o curumim no domingo seguinte. Ela ficou muito agradecida pelo meu gesto e me convidou para ser o padrinho, agradeci gentilmente o convite, falei que não era daquela cidade e que iria viajar para outro Estado, tirei pela tangente, chega de rolo pro meu lado. Eu, hein!

O enterro

Viajei muito em companhia dos meus irmãos Henrique e Graciete e dos amigos Mariza e Chiquinho, eles moravam na Matinha e tinham parentes no bairro da Terra Preta, num conjunto habitacional; uma vez e outra ficávamos hospedados por lá. O tio dos nossos amigos era um sujeito muito extrovertido, gostava de fazer pegadinhas e de contar piadas, ele tinha um Box no Mercado Municipal, era muito querido por todos os moradores da cidade.

Certo dia passou mal, foi levado para o Hospital Militar, em Manaus, ficou uma semana, fez uma cirurgia e estava passando bem, a família voltou para Manacapuru para tratar dos negócios do velho. Tínhamos acabado de voltar de Manacá, juntamente com a esposa dele e o filho mais velho, fomos todos fazer uma visita ao tio, para nossa triste surpresa, ele havia falecido no sábado, estava na pedra, a família não tinha sido avisada, foi um sufoco total.

Providenciamos a compra do caixão e a liberação do corpo para ser transladado para Manacapuru, alugamos uma Kombi velha para levar o caixão e a família, fui solidário e voltei com eles para Manacá; no inicio da estrada furou um pneu, foi trocado, mais adiante, furou outro, todos estavam “carecas” – E agora José? A família pegou um táxi, o “motora” da Kombi foi junto, levou os pneus para serem consertados na cidade, agora, imaginem quem ficou sozinho com o caixão no meio da estrada – o maluco que vos escreve - o corpo já estava exalando certo fedor, pois estava passando da hora de ser enterrado – pense numa situação complicada, além dos mais, já estava anoitecendo.

Forcei o carro e consegui colocá-lo bem no acostamento, pois poderia haver um acidente fatal, não bastasse o morto que estava na Kombi – fiquei com medo, que não ficaria, fui até a casa mais próxima, um senhor me serviu café e se prontificou em ficar comigo guardando o caixão e a Kombi. Lá pelas oito da noite chegou o socorro, veio uma Kombi, aparentemente, mais nova, colocamos o caixão no outro carro e seguimos viagem, faltavam somente oitenta quilômetros para chegar a Manacapuru, com a estrada parecendo uma “tábua de pirulito”.

Ao chegar à cidade, uma multidão estava aguardando o corpo, fomos direto para o Cemitério, para completar, quando estavam fazendo a despedida do morto, deu uma ventania e um forte trovão – a luz foi embora – imaginem a situação, era gente correndo para todos os lados, neguinho gritando de medo – eu fiquei estático, não sabia o que fazer, não via um palmo a minha frente, era uma escuridão total – me urinei todinho de medo, mas não corri - ainda bem que a luz voltou minutos depois, o enterro foi feito às pressas, pois ameaçava uma chuva torrencial.

Passei a noite na casa da família enlutada, quem disse que dava para dormir, era uma choradeira total. Lá pelas quatro da manhã fui avisado que um ônibus iria para Manaus, peguei o buzão na Rodoviária, estava totalmente lotado, segui viagem em pé, assim mesmo consegui dormir todo o percurso. Quando cheguei a minha casa, desmaiei de sono, fui trabalhar somente na terça-feira. É mole ou quer mais?

O empresário pilantra

Eu quero é mais, papai, então toma essa: – eu trabalhava numa grande empresa de revenda de eletroeletrônicos, certo dia, apareceu por lá um grande empresário de Manacapuru, ele fez uma enorme compra de camas, colchões, criados-mudos, ventiladores, ar condicionados, geladeiras tipo frigobar, abajures, espelhos e televisores – imaginem o que ele iria montar, é isso mesmo, um Motel – a felizarda foi uma vendedora gostosona, ele iria ganhar uma bolada de comissão; o empresário ganhou um bom desconto e ainda foi brindado com um financiamento para pagar em doze suaves duplicatas.

Como forma de agradecimento, convidou toda a galera para a inauguração do Hotel disfarçado, pois um motel nunca fora bem visto pelo pároco e pelos mais velhos moradores do interior. Segundo ele, seria servido um jantar especial – Guisado de Tracajá, Sarapatel e Pirarucu no leite da castanha da Amazônia - tudo seria por sua conta. A negada foi em peso, desde as duas da tarde que o “mé” rolava solto, depois, chegaram uns caboclos, se enturmaram e começaram a derrubar as ampolas, encheram a cara, foram embora sem pagar nenhuma, tudo bem, não tinha problema, pois tudo era “zero oitocentos”.

Notei que o velho estava afim da vendedora gostosona, mas ela não dava bola para o sujeito – ela começou a amostrar as asinhas para o meu lado, eu não dispensava nada, pegava até gripe. O velho ficou impaciente, serviu o jantar com uma cara feia e, no final fez as contas e detonou: - o “Traca” e o “Piraca” é por minha conta, vocês devem dez grades de cervejas. Tomei um puto do susto, quase que vomitava o bicho de casco na hora, peguei um pouco de folego e falei: - Mas, mas, o senhor não falou que tudo era por sua conta? Ele respondeu na maior cara-de-pau: - O jantar, meu filho, aqui é um comércio, quem é que vai dar bebidas de graça por ai, talvez em casamentos ou aniversários, não é o caso por aqui, quero agora a “babita” aqui na minha mão! E agora, José? O bicho pegou.

Fizemos a cota, quase deixa a negada na lisura, ainda bem que era final de mês, tínhamos recebido a nosso salário. Deu para pagar a conta, depois, fomos para o Clube do Flamengo, curti uns embalos de sábado à noite. Não engoli direito aquilo, foi uma pura sacanagem do velho, ele tinha um sotaque diferente, não era filho de Manacapuru, pois o povo de lá é gente boa - propus fazermos outra conta no domingo de manhã, primeiro, compramos as passagens de ônibus, deixamos toda arrumada as nossas bagagens, o lance era beber e comer até minutos antes da saída do ônibus e “sair à francesa” -, deu tudo certo.

Na terça-feira, bem cedinho, o velho apareceu para cobrar a conta, todos foram chamados a falas pelo Gerente Geral, até explicar que nariz de porco não servia para tomada, peguei uma baita chamada “no saco”, ainda tive que fazer um vale no financeiro para pagar a conta, o pior, o velho multiplicou a conta por dez, jurou de pés junto que nos consumimos tudo aquilo, somente para sacanear de novo.

O problema era a vendedora que deu um fora no malandro, inclusive, ele fez cena e ainda queria cancelar parte das compras, somente não foi efetivada, pois na última hora a coitada da vendedora aceitou jantar com ele. Outro detalhe: as doze duplicatas foram pagas somente com a pressão do advogado da empresa. Nas minhas andanças por Manacapuru, evitava passar pela frente do Motel daquele “efedepê”.

Tem muito mais, muitos causos em Manacá, a Flor Matizada do Solimões - fica para outra oportunidade. É isso ai.

Fotos: J Martins Rocha

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