quarta-feira, 19 de março de 2008

Milton Hatoum encara o desafio da novela em “Órfãos do Eldorado”



18/03 - 09:39 - Jonas Lopes e Luciana Araujo
SÃO PAULO – "Cada livro te ensina como escrevê-lo", diz o escritor Milton Hatoum nesta conversa sobre sua mais nova obra. "Órfãos do Eldorado" (Companhia das Letras) é um caso em que o tal aprendizado, entre tantos outros típicos de qualquer produção artística, se deu principalmente pelo desafio imposto pelo gênero. Romancista premiado, Hatoum fala ao Último Segundo sobre a dificuldade enfrentada ao aceitar a empreitada de enquadrar um de seus projetos nas regras da "Coleção Mitos", idealizada pela editora escocesa Canongate e publicada por um pool de editoras em 30 países.
Você diz que hoje em dia não reconhece mais a sua cidade, Manaus. Agora comenta que São Paulo é uma cidade diferente, mas a Manaus dos seus livros não é uma Manaus memorialística, uma Manaus cheia de lacunas assim como as narrativas dos seus livros?

É a minha Manaus. Uma vez conheci uma leitora que disse que foi a Manaus para encontrar “Dois irmãos” e não encontrou. Mas muitas pessoas disseram que sentiram o ambiente: o cheiro, as pessoas, o porto. No “Cinzas” já há uma Manaus do anos 1970, que expressa a primeira grande devastação urbana na periferia da cidade. Uma Manaus pós-Zona Franca. O Borges dizia que é mais verossímil falar de alguma coisa muito longe no tempo e no espaço, porque ninguém pode verificar se é verdade (risos). A Vila Bela do “Órfãos” foi inspirada em Parintins. Um dos nomes de Parintins no passado foi Vila Bela da Rainha. Eu conheci Parintins ainda jovem, voltei outras vezes e ao escrever o “Órfãos” voltei duas vezes, viajei de barco, andei pela cidade, localizei a fazenda Boa Vida. Isso quando eu já tinha avançado bastante no livro. As pessoas de Parintins vão perceber a inspiração quando lerem. A rampa do mercado, a praça do Sagrado Coração, que é a mesma, o Convento das Carmelitas, que está lá. Descobri o nome Dinaura em Parintins. Encontrei uma moça com um carrinho, perguntei o nome dela. Eu achei lindo. Já tinha uma personagem feminina, mas eu procurava o nome. Encontrei nessa moça. E a Manaus de 1900 até a Segunda Guerra eu conheço pelas fotografias, pelos livros, pelas histórias que meu pai e meu avô me contavam. Minha infância se passou numa Manaus intacta, que não tinha um edifício. Era uma cidade só com sobrados e bairros. Eu conhecia essa Manaus pré-destruição, antes das fábricas. Agora ela tem dois milhões de habitantes e eu não a reconheço.

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